A viagem (Cloud Atlas) – 2012, Cor, 172 minutos.
Origem: Alemanha, EUA, Japão, Singapura.
Gênero: Drama, Romance, Mistério, Ficção-Científica.
Direção: Tom Tykwer, Andy e Lana Wachowski.
Roteiro: Tom Tykwer, Andy e Lana Wachowski.
Fotografia: Frank Griebe e John Toll.
Trilha sonora: Tom Tykwer, Rinhold Heil e Johnny Klimek.
Lançamento no Brasil: 11 de janeiro de 2013.
Por Cleidson Lourenço
A viagem
(Cloud Atlas), mais recente esforço dos irmãos Wachowsky,
desta vez juntos a Tom Tykwer, é fascinante. Ainda que a
realização não alcance plenamente a ambiciosa premissa, o resultado é mais que
satisfatório tanto pelo saldo emocional quanto pelos questionamentos que
suscita.
O roteiro,
adaptação do romance homônimo de David Mitchell pelos diretores do longa, apresenta seis
histórias de gêneros diversos, situadas em diferentes épocas e lugares,
cruzando-as a partir de um princípio derivado de correntes religiosas, científicas
e filosóficas, como a teoria do caos, princípio da ação e reação, física
quântica, espiritismo e carma: todo ato de bondade, assim como todo crime, repercute através
dos tempos, gera reações equivalentes e molda o curso dos acontecimentos. São histórias inicialmente interessantes, mas de decorrer previsível. Funcionam graças ao dinamismo da montagem,
nos permitindo vislumbrar cada história tempo suficiente apenas para encontrar
um gancho visual ou narrativo que nos empurre para a próxima.
A escolha de utilizar
os mesmos atores em todas as histórias, aludindo à ideia de reencarnação, dá certa organicidade à narrativa. Alguns estão irreconhecíveis em suas transformações graças ao trabalho da equipe de maquiagem. Tom Hanks, Halle Berry, Jim Broadbent,
Hugo Weaving, Jim Sturgess, Doona Bae e Ben Whishaw garantem boa parte do
espetáculo, oferecendo performances esmeradas em papéis que variam não só em
personalidade e idade, mas em fenótipo e até mesmo sexo. Assim, Tom Hanks
personifica desde um médico inescrupuloso do século XIX a um cientista nuclear
de meia idade nos anos 70, ou mesmo um sobrevivente numa precária sociedade
pós-apocalíptica, sempre mantendo um nível de detalhamento sobrecomum em suas composições, considerando a quantidade de papéis que representa. Outras grandes atuações vêm
de Jim Broadbent, Doona Bae e Hugo Weaving, que
aqui interpreta todos os vilões
da película.
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Tom Hanks em seus vários papéis. |
A eficiência
da maquiagem na composição dos personagens é uma faca de dois gumes. Apesar de apresentar excelência na inserção de próteses e pequenos detalhes que ajudam
a compor os personagens, a ousadia na transformação completa de fenótipo não é
bem realizada, resultando num artificialismo escancarado, como no caso de Halle Berry interpretando a judia Jocasta Ayrs, caucasiana. Pontos de excelência técnica são a direção de
arte e figurino, competentes em recriar estilos visuais de épocas históricas e
em imaginar os cenários do futuro. Atenção especial à fascinante Neo Seul, onde
a prevalência de um capitalismo em nível muito acentuado transparece em cada
detalhe, como na arquitetura, estritamente funcional. Toda intervenção
estética, mesmo a cor, é projetada por holograma sobre o concreto cinza.
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Halle Berry como Jocasta Ayrs |
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"Eu não serei submetida ao abuso criminoso" |
Por detrás de
todas as camadas teóricas que misturam filosofia, ciência e religião na tessitura de uma trama capaz de emular a complexidade da vida, o ponto de discussão mais
interessante da obra, contudo, é o ideológico. A viagem lida o tempo todo com
dois extremos morais, um baseado na sobrevivência do mais apto expresso num
darwinismo social cujo pináculo é uma versão extremada do capitalismo, que se
choca com outro, de inspiração socialista, baseado num profundo senso de
comunidade a pregar o pensamento de que nossas vidas não pertencem a nós mesmos,
mas à coletividade. A narrativa se constrói sobre o confronto
dessas ideias e a afirmação desse ideal subversor a nos incitar contra toda
restrição à liberdade.
Localizemos a obra historicamente: num momento em que a conjuntura política mundial é
instável, palco de lutas frequentes sendo travadas contra o cerceamento de direitos, não
podemos fechar os olhos para a ousada mensagem da obra dos Wachowsky. Diferente
de Matrix, aqui eles não barateiam filosofias em prol do desenvolvimento da
história, mas moldam toda a arquitetura narrativa, sacrificando até o que
poderia ter de mais complexo e enriquecedor do ponto de vista cinematográfico,
para expandir a legibilidade dessa mensagem à sua audiência. Com muita honestidade, A viagem exemplifica o exercício de coragem que propõe a
seu espectador.
8 comentários:
Na mira para assistir.
Ótimos comentários Cleidson.
Abs!
Obrigado Rodrigo, assista, vale muito a pena. Abração!
Como já disse em outro momento repito que vc escreve divinamente. Amo seus textos,são sempre muito empolgantes.Parabéns!!! Sobre o filme, ainda não pude assistir,mas assim que tiver oportunidade irei conferir. Bjks.
Obrigado Line, eu quero muito que você assista, tenho certeza de que amarás o filme. Bjuuus!
Não conheço este filme,mas breve irei conferir,então lembrarei de suas observações...Seu texto apresenta as ideias de forma muito clara. Abraçoss.
Gugu, estréia na próxima sexta, dia 11. Assista mesmo, vale muito a pena. E agradeço enormemente o comentário, volte sempre. Abração!
Me parece ser realmente excelente! Este filme tem uma proposta que suponho que seja diferente de tudo o que já vi. É possivel que a iniciativa em suscitar caminhos, hipóteses e dúvidas cause um efeito bem diferenciado do que um filme auto-explicativo. Vou assistir e confirmar! ;D
Ótimo o teu blog!
Abraços
www.cinefreud.com
Oi Renato Hemesath, um prazer ter a sua visita! É realmente um filme invulgar, comparando com o nível dos blockbusters, propõe diversão e reflexões bastante sérias. Espero que se divirta assistindo!
Adorei o seu blog também, já estou te seguindo, abração!
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